quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O QUE SE DESCARTA QUANDO SE ESTÁ DESCARTANDO


CENA 1 - Na adolescência eu usava, dia sim e outro também, blusas amarradas na cintura. Uma vez passei por um grupo de meninos que, em coro, gritou: "tira, tira, tira!". Não tirei. Levei o caso para a análise e lá concluí: eu estava amarrada à blusa.
CENA 2 - Uma cliente, num longo processo de descarte, abriu uma caixa cheia de recordações de viagens. No entanto, nada ali me pareceu mais interessante do que seu relato das viagens feitas.
Percebi que ela (e muitas pessoas) permanecem amarradas a coisas que ocupam um lugar que não lhes pertence. "E se eu precisar?", "E se eu esquecer?", "Não consigo me desfazer!"... Quando nada é descartado, perde-se o discernimento. Quando tudo é igualmente relevante, da nota fiscal do CD comprado por 9,99 nas Lojas Americanas no ano de 2003 à Escritura do 1º imóvel comprado guardadas (ou jogadas?) na mesma gaveta, por exemplo, perde-se a relevância. Quando se está descartando, descarta-se a coisa (o objeto) em si, não a história, lembrança e memória que ela carrega. Às vezes, é mais saudável descartá-las também. Mas é uma escolha, apenas. Precisei de muito tempo e muita análise para desatar o nó. Quando descartei a blusa, descartei também a insegurança que ela disfarçava. E a cada novo descarte ouço o coro, ao fundo: "tira, tira, tira!".